Um carimbo no registro do meu bisavô me fez repensar o que sei sobre imigração japonesa
- Juliana Sakae
- 21 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
Por muito tempo acreditei que minha bisavó se chamava batian. Se você entende japonês, sabe aonde vou chegar. A palavra significa literalmente “avó”, fato que descobri quando uma amiga chamou a sua avó, olha que coincidência, pelo mesmo nome que a minha. Eu pouco sabia da história dos meus antepassados isseis (japoneses que emigram para outro país) ou nisseis (filhos de japonês nascidos no exterior). Mas nunca é tarde: aos trinta, com a ajuda do meu pai, comecei a mergulhar em pesquisa e a descobrir coisas fantásticas.

A árvore genealógica do meu pai sansei (3a geração). Depois dele vem yonsei (4a geração) e gosei (5a geração).
Começamos a caçar documentos. Meus quatro bisavós paternos nasceram em Kumamoto, sul do Japão, e migraram para as fazendas cafeeiras de São Paulo no começo do século XX. Graças ao Museu de Imigração Japonesa, encontramos intactos os registros de navios que atracaram em Santos vindo de Kobe. Com apenas 19 anos, o meu bisavô Heizo Sakai deixou o Japão um pouco antes do florescimento das cerejeiras, no fim do inverno de 1914, e chegou ao Brasil depois de cinco semanas à bordo do Wakasa Maru [aqui eu conto um pouco sobre isso].

(LISTA DE BORDO DO WAKASA MARU DISPONIBILIZADA PELO MUSEU DA IMIGRAÇÃO DE SP. Meu avô é #894)
Heizo casou-se com Haruki por miai, os primórdios do Tinder. Naquela época, um tio ou amigo levava fotos de solteiros para outras famílias em busca de matchmaking. A prima de Haruki, a Tomoe, casou-se com Yoshichi, e seus primogênitos acabaram se casando. Esses são meus avós Tosio e Yae. Eles prosperaram como agricultores. Foram donos de chácaras, vendas e floriculturas e puderem fazer o que seus pais sonharam: mandar os filhos para universidade. A foto abaixo tirada em 1955 mostra um dia de trabalho na vida deles. A legenda “couve-fror” revela a origem, já que o fonema “L” não existe por lá. Para minha avó, eu era Juriana.

Eu enxergava a imigração japonesa apenas pelo seu fim, feliz. Até o dia que fui em busca desses documentos no bairro Liberdade em São Paulo, onde fica o Museu de Imigração Japonesa.
Costumo dizer que o melhor do jornalismo é ter o privilégio de conhecer pessoas incríveis. Ali, conheci o sr. Matsuura que, com muita boa vontade, localizou todos os documentos que eu queria e um pouco mais: os livros da empresa japonesa Toyo, a agência de imigração responsável pelos trabalhadores.
Matsuura foi pacientemente traduzindo datas e palavras de um japonês difícil (“É um katakana antigo e a pessoa que escreveu não estava em um bom dia”, comentou educadamente). Ele me apontou a linha de Heizo e, como não quer nada, disse: “Ele fugiu da fazenda”. Entre uma respiração e outra, Matsuura completou: “A vida era muito difícil. Veja só, eram tantos os fugitivos que eles até criaram um carimbo para isso”.

(Livro de registro de imigração de Toyo Imin Goshi Kaisha – Heizo Sakai)
Fui pesquisar para aprender como foi, realmente, a chegada dele no Brasil. Descobri que o navio Wakasa Maru era um navio cargueiro, sem cabines, com apenas 4 banheiros para 1.720 passageiros. Descobri que meu bisavô Yoshichi, que veio com esposa e filha, ficou viúvo nos primeiros anos de Brasil, o que não era incomum: as condições de trabalho precárias mataram muitos imigrantes. Aprendi que os japoneses vieram como dekasegis, trabalhadores temporários, que pretendiam voltar em poucos anos, mas que endividados não conseguiram. Não ficaram por escolha, mas por falta dela.
Foi a primeira vez que enxerguei meu bisavô como apenas um adolescente, provavelmente receoso, migrando sozinho, sem saber o idioma, desacostumado com o clima, chegando a uma fazenda que ainda herdava condições análogas à escravidão, sem dinheiro para retornar. Tanta história de sacrifício (mas também esperança) em um pequeno carimbo.
Para saber mais:
Se você é descendente de japonês (ou curioso), recomendo a leitura do livro de Jorge Okubaro O Súdito (Banzai, Massateru!), um romance de não ficção sobre a vinda do seu pai issei, e a série japonesa Haru & Natsu, exibida no Brasil pela Band — a história de duas irmãs japonesas separadas pela imigração e os sacrifícios delas durante esse período.
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