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1ᵃ geração de imigrantes japoneses no Brasil: A História de Tosio & Yae Sakae

Atualizado: 21 de dez. de 2019


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TOSIO SAKAE, filho dos imigrantes japoneses HARUKI NAGAE e HEIZO SAKAI, nasceu às duas da manhã do dia 10 de setembro de 1923 em Lins, SP. Naquela época, a região se chamava Albuquerque de Lins da comarca de Pirajuhy. A 10 quilômetros dali, nascia em sua própria casa YAE TAKAHARA em Guaiçara, também filha de imigrantes japoneses, TOMOE NAGATA e YOSHICHI TAKAHARA, no dia 21 de maio de 1925, no bairro Campestre. Naquela época, Guaiçara pertencia à comarca de Lins.

As mães de Tosio e Yae, Haruki e Tomoe, eram primas quase irmãs. As duas vieram juntas de Kumamoto, sul do Japão, no navio Teikoku-Maru, chegando no Brasil em 5 de outubro de 1914. Seus filhos foram prometidos uns aos outros: o filho Tosio e a filha Ditsuko, os mais velhos de Haruki, casaram com a filha Yae e o filho Yuzurgo, os mais velhos de Tomoe.

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Yae Takahara Sakae (minha avó)

Aos 23 anos, Tosio casou com Yae no dia 30 de julho de 1947 em Lins. O pai do noivo não esteve presente na festa: Heizo falecera aos 47 anos por câncer no fígado e no estômago. Recém-casados, Tosio e Yae tiveram a primeira filhinha, TOSHIE, e se mudaram para Tupã para ficarem mais perto de parentes. Lá, abriram um bar e tiveram outro filho durante um dos anos mais complicados para um imigrante japonês no Brasil: o pós-guerra. Na época, com notícias escassas, a população imigrante japonesa dividiu-se entre aqueles que acreditavam que o Japão ganhou ou perdeu a guerra para os Estados Unidos. O primeiro grupo rejeitava o segundo, chamando-os de “corações sujos”. Muitos assassinatos foram registrados nesta época no estado de São Paulo.

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Yae segurando sua primeira filha Toshie

Além de divididos, os japoneses (e outros imigrantes) sofreram com a nacionalização imposta pela Era Vargas. Em alguns locais, era proibido falar língua estrangeira. Quando Tosio foi registrar seu segundo filho no interior do estado como “Mamoru Sakae”, foi impedido pelo cartório: o nome não poderia ser japonês. Apenas o sobrenome. Tosio então pensou em um dos seus clientes do bar mais baderneiros: ORLANDO.

- Foi assim que meu nome foi escolhido: por causa do preconceito e em homenagem a um bêbado! - conta Orlando rindo da situação.

Mais tarde, conseguiriam registrar a terceira filha com nome nipo-brasileiro: HELENA SETSUKO.

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Vó Haruki segurando Helena Setsuko. Toshie e Orlando ao lado de clientes do bar em Tupã/SP

São Paulo continuava complicado para japoneses. Tosio e Yae decidiram então colocar todos os pertences em cima de um pequeno caminhão e mudar para Curitiba, PR. Tosio trouxe sua mãe viúva Haruki, seus dois irmãos, Mário Sussumu e Yoshiko Sakai, e seu pequeno sobrinho Hideo. Arrendaram terras de um senhor japonês, o Sato-San, no bairro Uberaba, onde começaram a plantar. O problema, que ainda desconheciam, é que o inverno de Curitiba é rigoroso. Uma certa noite, a temperatura caiu e a geada tomou conta da cidade. A plantação amanheceu queimada e pouco foi recuperado para venda.

Foram quatro anos de sacrifício até que, finalmente, a plantação vingou. O casal foi tão bem sucedido que conseguiu, com a colheita, comprar um terreno de seis alqueires, caminhão, trator, cavalos e novas sementes. Como as chácaras ficavam próximas umas às outras, o casal, com ajuda dos três pequenos, mudou-se a pé, carregando os pertences em várias viagens.

- Eu e Toshie ficamos responsáveis pelos galos. Imagine duas crianças carregando um galo! - lembra Orlando.

A nova chácara prometia. Plantaram tomates evitando sempre a estação fria do inverno curitibano. O problema é que quando o tomate estava finalmente pronto para ser colhido, todas as outras chácaras também colhiam o tomate. O preço caía e todo o trabalho do ano desvalorizava.

Foi quando Tosio começou a estudar uma maneira para colher o tomate fora de época. Em um caderninho, anotava em japonês as datas do plantio e calculava, todos os anos, quando era possível colher. Resolveu plantar as mudas antes do inverno, antes de todo mundo, e na chegada da estação fria, transferiu as mudas de tomate para centenas de caixas de madeira. Construiu um barracão de madeira espaçoso onde as mudas “dormiriam” durante o inverno. Todas as noites frias, Tosio, com ajuda do irmão Mário, guardava as caixas no barracão e de dia as trazia de volta para o sol. O granizo ficava do lado de fora e não afetava as plantas. Tosio criou também um sistema para aquecer as mudas: colocava carvão em latas de óleo vazias e grandes, acendia fogo e distribuía o aquecedor pelo barracão. A safra chegou fora de época e pegou os concorrentes de surpresa. Foi um sucesso.

A demanda pelo tomate fora de época cresceu. Eram tantas as caixas de muda que não havia mais espaço no barracão. Numa certa noite fria, Tosio e Mário trouxeram algumas caixas para dentro de casa e as colocaram na sala de estar, onde Mário costumava dormir, junto com alguns aquecedores à carvão. Naquela época, não se sabia do perigo do monóxido de carbono em ambientes fechados. Na manhã seguinte, Yae mandou os pequenos acordarem o tio, pois já passava do horário dele acordar. Da porta, eles já repararam que algo estava errado: encontraram Mário morto por asfixia. A pequena Toshie chegou perto do tio, fez um sinal da cruz na sua testa, e correu para buscar a mãe.

A morte repentina do tio, aos 20 anos de idade, devastou a família e principalmente Tosio, que se sentia culpado pela situação. Haruki, depois de perder o marido, lidava agora com a morte de um filho. Nesses anos difíceis nasceram NILTON SHIGUEO e ROBERTO SHIGUERU, que acabaram por se tornar os protegidos da vovó. Talvez por isso eles cresceriam aprontando todas. Shigueo, quando criança, gostava de brincar com os bebedouros do galinheiro e lembra quando um funcionário da chácara deu uma bronca nele dizendo que não podia ficar mexendo. Quando a avó Haruki viu a situação, pegou uma vassoura e correu atrás do funcionário dizendo que não era mais para fazer isto, que era para deixar seu netinho brincar.

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Com a morte do irmão, Tosio perdeu o gosto pela plantação de tomates. Comprou uma casa no bairro Campina do Siqueira e um box no Mercado Público de Curitiba, onde montou o Paraíso das Sementes. O estabelecimento venderia, além de semente a granel de todos os tipos (geralmente importadas de outros países), produtos agrícolas. Nas épocas festivas, como dia das mães e aniversários, os clientes começaram a perguntar onde poderiam comprar flores. Tosio começou, então, a buscar flores dos melhores produtores do país: as rosas eram trazidas da antiga Ceasa de São Paulo, os vasos de plantas ornamentais, de Campo Comprido e os cravos, de Quatro Barras. Um senhor de Farroupilha, no Rio Grande do Sul, trazia maravilhosas mudas de árvores frutíferas que eram um sucesso. Nessa época áurea nasceu o caçula SÉRGIO MINORU.

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Nilton Shigueo, Orlando e Tosio Sakae no Paraíso das Sementes no Mercado Público Municipal de Curitiba/PR

Com os pais trabalhando em tempo integral, os três menores cresceram causando muitas estrepolias pela vizinhança do bairro. Naquela época, a moda entre meninos era estourar bombas caseiras. Shigueo lembra que, quando tinha 13 anos, guardou acidentalmente uma bomba e um par de fósforos no mesmo bolso.

- Eu lembro que ouvi o clássico barulho de pavio queimando e olhei para todos os lados para ver de onde estava vindo - conta Shigueo. - Quando percebi que vinha do meu bolso, já era tarde demais.

A bomba explodiu e queimou toda a perna esquerda, derretendo o tecido da calça em sua pele. Conhecendo seu pai e temendo o castigo que receberia ao explicar a situação, Shigueo decidiu que resolveria o ferimento sozinho, escondendo a dor. Quando sua mãe descobriu (muito pouco tempo depois), a ferida já estava completamente inflamada.

Roberto Shigueru, que parecia um anjo, conseguiu a façanha de atravessar acidentalmente por uma porta de vidro de uma loja com sua bicicleta e quebrar os postes elétricos da rua, deixando um bairro inteiro sem luz. Tosio, que já não vendia mais frutas e verduras, costumava trazer todo começo de mês produtos da chácara para consumo da família. Contam os irmãos mais velhos que um dia um vizinho bateu na porta de casa procurando pelos "meninos que vendiam hortaliças", pois eles não haviam aparecido ainda naquele mês.

- Papai ficou possesso quando descobriu que Shigueru e o Shigueo vendiam os legumes! - conta Toshie.

O dinheiro era usado para comprar bombas e assustar os vizinhos. Um dia, com ajuda de um amigo, Shigueru jogou uma bomba na casa de um vizinho conhecido por ser forte e encrenqueiro. Ele não esperava, porém, que o moço estivesse em casa. Os pequenos subiram nas suas bicicletas e dispararam morro abaixo, perseguidos pelo vizinho, que só desistiu quando viu a ira da irmã Helena em sua direção.

- Helena achava que Shigueru era um anjo - conta Shigueo rindo. - Até hoje ela não pode ouvir falar desse amigo, pois acha que ele era quem tinha jogado a bomba e culpado Shigueru.

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Vó Haruki com os netos Orlando, Toshie, Helena Setsuko, Nilton Shigueo, Roberto Shigueru e Sérgio Minoru em 1967

O comércio prosperou: Tosio comprou um caminhão Mercedinho L608, três boxes no Mercado Público — uma floricultura cuidada pelos filhos, uma loja de vasos de flores gerenciado por sua mãe Haruki e um para armazenar produtos.

Do seu contador, o Seu Macedo, Tosio recebeu a ideia de comprar um lote na esquina oposta ao Mercado para construir um pequeno hotel. Seu Macedo havia construído um ao lado que tinha dado muito certo. Tosio vendeu a maior parte da chácara para uma construtora curitibana e com o dinheiro começou a construir um hotel em estilo japonês.

No dia 12 de abril de 1977, o sonho foi bruscamente interrompido. Tosio morreu aos 53 anos, quando a maioria dos filhos era ainda estudante — Sérgio Minoru e Roberto Shigueru cursavam ginásio em Curitiba, Nilton Shigueo e Orlando cursavam medicina na UFSC em Florianópolis, e Helena cursava Contabilidade na FESP. Toshie estava casada com Mário Yamaguchi, com quem teve, pouco antes do pai falecer, o primogênito Eduardo.

Yae viveu até 2011, aos 86 anos, testemunhando o nascimento de outros 10 netos: Sílvia, Thiago, Thadeu, Rodrigo, Diana, Juliana, Fernando, Fernanda, Rodrigo e Rafael. Hoje, se Tosio e Yae estivessem vivos, teriam 7 bisnetos: Sofia, Antônio, Letícia, Otávio, Lia, Benício e Alice.

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